O que caracteriza as diferenças entre a astrologia moderna e a tradicional ? Muitas pessoas sequer sabem que existe essa diferença entre uma astrologia moderna e tradicional ! Mas essa diferença existe, pois entre os séculos 19 e 20 praticamente todo o conhecimento astrológico anterior foi perdido ou substituído por versões de consumo rápido. Antes se calculava um mapa astral, encontrando o ascendente, hoje se prefere falar generalidades sobre o seu signo solar.
Mas qual é a diferença “na prática” ? São inúmeras, mas eu queria colocar aqui, como exemplo, que uma diferença fundamental é que na astrologia tradicional se tinha respeito pelas coisas más da vida: os maléficos.
Quem são os maléficos ?
Os maléficos para quem não sabe, são os planetas Marte e Saturno (e ocasionalmente o Sol). Esses planetas são secos, e portanto contrários a vida. Marte é muito quente, e portanto é sempre agressivo e dirigido a criar conflitos e inimigos. Marte é como o fogo, que pode ser usado para fins construtivos sim, mas deixe uma vela acesa e vá dormir, e você verá qual é sua verdadeira natureza: se expandir sem limites e destruir tudo em seu caminho.
Saturno, por outro lado, é frio como o inferno, e faz com que tudo se demore, pare, ou seja destruído, mas não pelo fogo, mas sim pela podridão. Representa a velhice, as doenças crônicas, o decair, enferrujar… A natureza de saturno é a do tempo, de transformar a vida e as coisas que gostamos em pó.
Os maléficos trocaram de time ?
Essa é a natureza básica dos planetas… mas em algum ponto no último século, o jogo mudou: saturno virou “ordem e estrutura” e marte virou “sexualidade, dinâmismo e auto-expressão”. Note o vocabulário de auto-ajuda entrando na astrologia: o que foi que aconteceu ?
A mentalidade new age imperante na astrologia moderna (e no mundo atual) ODEIA qualquer coisa que seja “negativa”. Tudo é “oportunidades para crescimento”. Parece que isso e o relativismo pós-moderno faça com que as pessoas tenham dificuldade de reconhecer que algumas coisas na vida são simplesmente ruins. Ponto.
Como diria John Frawley, todos nós preferimos receber uma carta com um cheque do que uma carta com uma conta. Talvez a conta nos ensinasse a ser mais parcimoniosos com nossos gastos, mas nem por isso queremos mais contas. Também em geral não gostamos de morrer ou que pessoas queridas morram. Não gostamos de passar meses no hospital acompanhando pais ou amores agonizando, mas é um fato da vida, e quem acha que isso é uma “experiência de crescimento”, ou nunca passou por ela ou estava intoxicado de cogumelos felizes durante o momento.
Por que temos dificuldade de admitir as coisas negativas da vida ?
Acredito que a mentalidade do “nada é ruim” surgiu com a criação no último século de um mundo de classe média, que está relativamente protegido das grandes agruras da vida, como a violência, a fome, a seca, as epidemias, etc. Nesse mundo mais protegido, a tendência é de ver tudo na vida apenas do ponto de vista das “relações humanas”, que como apontou Freud em “O Mal estar na Civilização” é uma das maneiras preferidas do ser humano de se causar sofrimento.
Ou seja, se você quer entender a astrologia tradicional, e seu contexto histórico, veja um documentário sobre o tsunami. Ou talvez “cidade de Deus”. Se você quer entender o contexto em que a astrologia moderna e nós mesmos vivemos, veja algum reality show estúpido como The Real Housewifes of Orange County pra ver o que acontece com uma vida demasiado protegida das agruras da realidade: a criação de uma cultura de narcisismo.
“Na minha experiência marte nem é tão ruim”…
Veja pela internet, e você verá que com esse simples truque, você poderá com muita facilidade diferenciar um astrólogo moderno de um tradicional. Isso pode ser importante, porque é costume dos astrólogos modernos de não identificarem “de onde” eles falam: a partir de que escola, de que professores, de que cultura, de que ponto de vista. A pretensão é de que o que falam é uma universalidade. Isso é mais difícil de se fazer na tradicional, já que há vários momentos dentro dela.
O truque consiste no seguinte: veja como a pessoa trata os maléficos. Se ele cria um longo monólogo pra dizer que “Júpiter nem sempre é bom” e que “Saturno e marte são apenas pobres incompreendidos” então pode ter certeza que estamos falando de astrologia moderna, mesmo que disfarçada.
Porque ? Porque essa incompreensão do significado de “maléfico” e “benéfico”. Nossa cultura é hedonista e por isso considera “benéfico” como sendo “aquilo que eu quero nesse exato momento”. Nossa sociedade também tem uma concepção de espiritualidade “torta”, baseada em conceitos não espirituais como o darwinismo, o self-made man, etc. Assim, as pessoas acham que tem o direito de falar pra outras que “é você quem cria o bem e o mal em sua vida”. Claro, fácil dizer, principalmente pra quem está numa boa. Agora visite essa mesma pessoa quando ela estiver na merda, e jogue as palavras na cara dela, e você verá uma pessoa espiritualizada realmente furiosa.
Óbvio que Júpiter “nem sempre será bom”… a isso se chama técnica astrológica, ou seja, a capacidade de observar como Júpiter agirá dentro de um contexto específico. Se Júpiter representa sua morte, ele vai te matar, você goste ou não… no máximo vai fazer com que doa menos, mas todo planeta cumpre seu dever.
Por que ninguém se lembra das casas astrais ?
O que acho curioso é que as casas astrais também são divididas em benéficas e maléficas. A casa 11 é a casas dos amigos, desejos, sorte, etc, e por isso é considerada uma casa benéfica. Mas a casa 11 também é a casa da morte do pai. Em geral não gostamos que nossos pais morram, e portanto a casa 11 pode agir de maneira dramaticamente maléfica. Mas até hoje nunca ouvi alguém reclamar que a casa 11 “não é realmente benéfica”.
A maior pretensão da astrologia atual fica em dizer que não necessitamos do conhecimento antigo pois estamos numa época “mais espiritualizada”, ou pior, porque acham que o positivismo científico resolveu tudo. E como toda pretensão, é apenas um triste reflexo de nosso narcisismo.
Por isso que digo, que quem quer estudar astrologia tradicional, deve ter como primeiro ponto ter orgulho de seus maléficos !
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Orgulho, orgulho eu não tenho não, especialmente de marte tão ruim. Ontem começou um firdaria marte lua, ai meus sais… Saturno já dá sim pra encher mais a boca hahahahaha. Brincadeira, entendi seu ponto. E também já estou ficando meio implicante com toda esse papo da astrologia moderna, que acho mais maléfico que tudo, fundado em uma cultura de eu eu eu eu que muitas vezes é mais “maléfica” para a sociedade que muito fato da vida por aí. Ah, e adorei a figura do papai noel, adorei mesmo.
AMEI O PAPAI NOEL!!!!!!!!!!!!
Eu aprendo muito aqui! Esse foi um dos melhores textos que você já escreveu aqui, um dos mais esclarecedores, quanto à sua visão de astrologia e de mundo, e essa visão eu admiro muito.
Quando acabo de ler alguns tópicos, fico achando que você seria capaz de aprofundar muito algumas das questões pelas quais você passa tão rapidinho aqui. É claro que faz parte do veículo, do blog, da internet… mas fica um querer-mais imenso!
As coisas que você coloca aqui não dizem respeito somente à astrologia, o título do blog é adequadíssimo e eu acho que você tem muito a dizer pras pessoas, não só as leitoras desse blog, mas aos astrólogos de modo geral… ou mesmo não-astrólogos, porque eu acho que muita coisa que você escreve aqui ultrapassa o gueto da astrologia. Você só expande, só enriquece… esse é um comentário de fã mesmo, eu queria muito ver um livro teu um dia.
Só para não deixar de comentar o tópico propriamente dito, dentre muitas coisas, a questão da espiritualidade científica e da alienação da classe média respingarem – ou inundarem, talvez – a visão da astrologia é uma coisa brilhante. Ainda tenho que degustar essa idéia aos poucos. Enquanto isso, tenha um dia ótimo!
ADOREI, ADOREI! ;-)))))
Eu, do meu cantinho, absurdamente inoperante, tenho que discordar da acidez do Yuzuru! É claro que há uma tendência a fantasiar o mundo, principalmente nas “culturas-auto-ajudas”. É tudo muito doce!!!!
Mas há sim, dois lados da moeda em tudo! Conforme vc falou do aprendizado!!! Pode não ser bom, pode doer, pode amargar e pode ser ruim… no início! Mas a reciclagem, por diversas vezes, vale muito mais a pena!!! Todo mundo quer mudar pra melhor, mas o quer sem a dor da mudança e isso sim não tem saída, é a ilusão da que me refiro nas análises auto-ajuda!
Mas, no fundo, tudo vale a pena! E se vc percorrer todo o caminho (tentando deixar a amargura pra trás), vai dizer no final: foi lucro!!!! Concordo que é difícil, mas ninguém disse que é fácil! 🙂
Abs
Bravo!
Muito, muito bom mesmo.
“somewhere over the rainbow, blue birds fly…”
A vida é falsamente mais fácil quando falsificada.
maléfico é maléfico…e o benéfico ele é benéfico mesmo.
Assisti uma palestra outro dia falando que algumas empresas demitem seus funcionários alegando que o talento deles seria melhor desenvolvido em outro lugar, rs. Lembrei muito do que se fala aqui sobre a modernidade tentar maquiar qualquer coisa que possa parecer ruim.
De qualquer forma, esse exemplo chega a ser caricato de tão cretino.
Claro que eu tenho orgulho dos meus maléficos, porque não? Até porque tenho Sol e Marte em Áries (não estão conjuntos), Sol em Oposição a Plutão, regente do ascendente (Escorpião).
Por que eu não teria orgulho? rsrsrsrsrsrs
Está aí uma coisa que não sabia. Meu pai morreu quando eu tinha seis anos, eu tenho Saturno em Aquário na casa onze… Imagine a desgraceira que ocasionou? Mesmo assim, tudo na vida tem um por quê, a gnte sofre, mas um dia estaremos mais fortes.
Saturno em aquario, em si, nao é culpado, mas teria que se procurar aspectos entre saturno e a lua ou o sol, na carta natal e na RS do ano que ele morreu.
Oi,
..”Mas a casa 11 também é a casa da morte do pai….”
Qual é a casa da morte da mãe?
abçs
A casa do pai é a 4a. As casas derivadas malignas (8 e 12) a partir do pai serao maléficas (casa 11 é a 8a a partir da 4)
Logo, para a mae, casas com potencial maléfico sao a 9 e a 5.
Obrigado pelas explicações!
Abçs